domingo, 23 de setembro de 2018

Áreas verdes

Semana passada, estive em Viena, Áustria, para uma conferência. Viena esse ano tomou o título de melhor cidade para se viver de Melbourne, na Austrália. Não posso opinar sobre viver lá já que passei pouco mais de uma semana, mas de fato me pareceu fazer jus ao título. É uma cidade extremamente tranquila, com pouco trânsito, um sistema de transporte público excepcional, arquitetura belíssima (ao menos no centro histórico), fácil acesso a arte e cultura e um sistema de habitação social que garante baixos custos de moradia para a maior parte da população (que eu desconhecia e talvez escreva mais a respeito no futuro).

O que me deixou pensando e me motivou a escrever essas meias palavras foram os parques. Viena foi uma viagem atípica para mim. Tirando a parte de trabalho por conta da conferência, eu não me senti impelido a ir a museus e ver as atrações turísticas. Ficar na cidade já era um passeio excelente e nisso acabei passando tempo em parques, por vezes apenas sentado aproveitando o sol. Pois Viena não é uma cidade excessivamente verde. Há inúmeras ruas e cantos onde não há sequer uma árvore, o espaço indisponível nas ruas estreitas herdadas de seu passado medieval. Mas a cidade tem muitos parques, de diversos tamanhos, com muita área verde, lagos, patos. E são áreas que fazem toda a diferença no ar da cidade, figurada e literalmente.

Atualmente moro em Brisbane, outro bom exemplo. Uma das coisas que sempre me chamou a atenção aqui é a quantidade de parques e até mesmo de árvores em avenidas e ruas. Parece que cada conjunto de quarteirões tem seu próprio parque - há um atravessando a rua de casa. E nos fins de semana se tornam ponto de encontro de gente que vai praticar esportes, fazer um churrasco, entre outras atividades. 

O ponto a que quero chegar, e o motivo que fiquei pensando a respeito, é por que no Brasil, ao menos no que conheço do Sudeste, isso é tão incomum? Veja minha cidade natal, São Lourenço, no sul de Minas. É uma cidade pequena, mas famosa pelo seu parque onde se encontram as águas minerais que levam o nome da cidade. O parque é privatizado. É a única área verde na cidade de 45 mil habitantes. Mas, por ser privada e ponto turístico por conta de suas águas, requer pagamento para entrada. É um parque excelente, uma ampla área verde, mas que não é aberta à população sem que esta pague. Por que nos preocupamos tão pouco em fornecer áreas verdes à população? Certamente não é somente em nome de algum "progresso" abstrato, visto que São Lourenço é uma cidade pequena e que sequer tem área para crescer. Por que não garantir algumas áreas verdes públicas?

Eu acredito que talvez sejam prioridades equivocadas, tanto da classe política quanto da população. Talvez não consideremos, no Brasil, que essas áreas sejam importantes. Mas são. Há estudos que mostram que a presença de áreas verdes têm impacto positivo na saúde da população, ajudando a combater até obesidade, contribuem para redução da temperatura, com potencial para aliviar aumentos causados pelo aquecimento global e até contribuem para a valorização imobiliária.

Sei que o Brasil tem inúmeros problemas mais urgentes, mas áreas verdes melhoram a qualidade de vida de toda a população. E no fim, o que qualquer um quer, para si e como nação, é melhor qualidade de vida. Lembro anos atrás ter visto uma reportagem sobre umas senhoras que transformaram um beco escuro e perigoso em um parque e horta comunitários, reclamando novamente o espaço para a comunidade. Pense no que aconteceria se muitos desses lugares feios e abandonados, às vezes foco de criminalidade, se tornassem belos jardins? Se o lixo se tornasse flores?

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O custo de (não) fazer ciência

No começo do mês, a Capes, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior, uma das entidades responsáveis pelo desenvolvimento científico no Brasil, anunciou que com o atual corte de verbas para o MCTIC serão canceladas até 200 mil bolsas de pós-graduação no ano que vem. Isso me é um assunto muito caro. Primeiro, sou cientista, há dois meses da conclusão do meu doutorado, trabalhando com pesquisa há mais de 6 anos. Segundo, meu doutorado é financiado pelo Ciências Sem Fronteiras, cuja oferta de novas bolsas foi cancelada no ano passado. Aos olhos do governo, eu sou um custo. Onde o governo erra é em não entender que ciência é um investimento.

Dois exemplos para sustentar o argumento. Estima-se que o retorno do investimento (ROI) do programa espacial americano seja de em média 10:1. Ou seja, para cada dólar que o governo americano investiu na NASA para possibilitar uma missão tripulada à Lua, a economia americana recebeu 10 dólares. E o retorno não é puramente financeiro. Embora se possa discutir qual a utilidade imediata, ao cidadão comum, de se colocar uma pessoa na Lua, as tecnologias desenvolvidas para cumprir a missão trouxeram inúmeros benefícios palpáveis. O celular onde você talvez esteja lendo isso, por exemplo, deve muito à tecnologia de comunicação de longa distância derivada do programa espacial. A câmera no mesmo celular contém tecnologia da NASA. Por aí vai.

Segundo exemplo, esse mais perto de casa. A Embrapa calculou uma taxa interna de retorno de 38% em investimento em pesquisa na década de 1980 (rendimento muito melhor que colocar o dinheiro no banco, por exemplo). Uma pesquisa similar da FAPESP encontrou retorno de 12:1 no investimento em pesquisa em agricultura no estado de São Paulo. Novamente, não é só a questão financeira. Graças ao investimento da Embrapa na década de 1980, que montou o que seria as raízes do Ciências Sem Fronteiras ao financiar pós-graduação no exterior para que brasileiros fizessem pesquisa de ponta e voltassem com o conhecimento, o Brasil não só exporta produtos agropecuários para o mundo inteiro, como exporta também tecnologia

Falta ao Brasil como um todo planejamento de longo prazo. Ciência é investimento, não custo, que exige constância para gerar resultados positivos. Para se tornar competitivo e se desenvolver plenamente, um país tem que investir em desenvolvimento científico e tecnológico. Há certas áreas estratégicas cujo desenvolvimento é de interesse até mesmo de soberania nacional. Que dizer do Brasil hoje ser incapaz de lançar seus próprios satélites e depender de outros países para telecomunicações, essa tecnologia tão essencial na vida atual e cuja importância só tende a aumentar? A indústria espacial, por exemplo, está se aquecendo e se estima que há bilhões ou até trilhões de dólares de retorno em diversos mercados para quem dominar a tecnologia. O programa espacial brasileiro, iniciado em 1961, ainda não concluiu seu objetivo de construir um veículo lançador de satélites, o VLS. O programa do veículo hipersônico 14-X tem um teste de voo planejado para daqui a dois anos - ouço isso há seis anos. Há mal gerenciamento, sim, e uma série de outros problemas que não cabem nesse texto. Mas falta verba e, se mais for cortada, jamais esses projetos sairão do chão. E aqui estou focando apenas na minha área, aeroespacial. Há por aí diversos outros grupos sofrendo da mesma forma.

Mas voltemos à questão do planejamento de longo prazo. Se o governo vê ciência como custo, é uma das primeiras a ter sua verba cortada. E aí vemos as prioridades: na mesma semana do anúncio da Capes, ministros do STF se deram aumento de 16%, aumentando seus salários em cerca de 6 mil reais. Isso é o valor de uma bolsa de pós-doutorado. Pense nisso: um pós-doutor é alguém que passou por uma graduação e pelo menos uma pós-graduação, normalmente duas (mestrado e doutorado). É um profissional altamente qualificado, mas ainda assim depende de bolsa, que não tem qualquer vínculo trabalhista. Detalhe: nem todos os ministros do Supremo são doutores. E esse aumento de 16% vai acarretar um gasto de R$240 milhões ao ano devido aos reajustes que demais servidores recebem baseados no teto do STF. Isso é metade do valor cortado da Capes. Compensa abrir mão de um investimento para aumentar um gasto, se o objetivo é justamente controlar as contas públicas? É claro que não.

Há muito que tem que mudar na ciência no Brasil e isso merece textos à parte que talvez eu escreva no futuro. É difícil desassociar essas coisas e acho que talvez eu não tenha sido tão direto como deveria. Mas a mensagem é simples: dinheiro colocado em ciência é dinheiro investido. Tem retorno para a sociedade. Cortar isso é uma maneira de negar um futuro melhor para o país. E no imediatismo da política brasileira que se preocupa apenas com a próxima eleição e faz tudo em benefício próprio, é isso que conseguimos, a negação de futuros melhores.

sábado, 7 de julho de 2018

Como todo brasileiro com mínima consciência de si próprio sabe nesse momento, o Brasil foi eliminado nas quartas de final da Copa de 2018, pela Bélgica. Não estou aqui para avaliar o jogo e prover comentário detalhado a respeito do que deu errado, nesse momento há toneladas de artigos em todos os cantos das internetes apontando erros e buscando culpados. Eu, particularmente, acho que o Brasil jogou bem, mas os erros que cometemos, principalmente no primeiro gol, contra, foram demais para que recuperássemos o jogo. Até porque a Bélgica jogou muitíssimo bem e soube marcar o ataque brasileiro. Enfim, perdemos, numa fase avançada da copa e contra um dos times favoritos, a tal "geração de ouro belga". Times supostamente melhores caíram mais cedo contra times piores. Acontece no futebol.

O problema, e a razão porque estou aqui escrevendo e desabafando, é que todos agora buscam culpados e se começa a exigir que cabeças rolem e é questão de tempo até que CBF anuncie um novo técnico para a seleção, porque é sempre a cabeça do técnico que rola nesses casos. E eu acho que seria um erro trocar o Tite. Brasil jogou bem sob seu comando, inclusive saiu de uma posição ruim, em que estava às beiras de não se qualificar para o mundial, para terminar em primeiro do grupo nas eliminatórias. Ele conseguiu formar um time coeso e, talvez sem os desfalques que tivemos por cartões e lesões, tivesse ganho o jogo contra a Bélgica. Talvez. Não gosto de especular assim porque não vai a lugar nenhum nem muda a realidade do que ocorreu.

Meu ponto é que precisamos de continuidade. O Brasil sempre tem dessas, de mudar de técnico toda vez que as coisas vão minimamente mal, essa constante quebra de continuidade. Não temos uma geração de Ronaldos e Ronaldinhos e não teremos antes da próxima copa, pois quatro anos é pouco para surgir alguém assim. Temos que contar com o coletivo forte, algo que o Tite soube montar. Uma seleção que continue com o Tite pelos próximos quatro anos é uma seleção com tempo para fortalecer essa coesão, integrar bem novos jogadores que venham a substituir quem não continue, e que vai ter mais chances de apresentar um futebol forte em quatro anos. É o que a Alemanha fez e a levou ao seu tetracampeonato em 2014.

Mas a CBF é uma instituição totalmente corrupta, cujo objetivo não é elevar o futebol brasileiro ao seu maior potencial, infelizmente. Então é provável que muito em breve Tite não seja mais técnico da seleção. Bom para o time que o contrate em seguida, ruim para o Brasil.

E em 2022 estaremos todos torcendo juntos de qualquer forma.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Meses atrás houve um acidente numa rua perto de casa, num viaduto que passa sobre as linhas de trem, uma dezena de metros abaixo. Acidente terrível, um carro atingiu a moça e a jogou sobre a cerca para sua morte, onde a encontraram ainda viva. Morreu a caminho do hospital. A polícia deixou um aviso pedindo informações a quem as tivesse. Não sei se chegaram a saber quem era o motorista.

Alguém, imagino a família, colocou flores, de plástico, e um porta-retratos com uma foto da moça, numa parte da cerca que é dessas de arame. Fica no meu caminho para o ponto de ônibus, todos os dias passando pelas flores e pela foto da jovem sorridente.

Com o passar dos meses, exposta ao sol, ao clima, a foto se foi apagando lentamente, se tornando sépia a princípio, rosada, branca, até desaparecer de vez. Um análogo das memórias dela, talvez. Aos poucos esquecida por todos assim como a foto desaparecia. Quem passasse ali após a remoção da placa da polícia poderia somente inferir o ocorrido, sem saber para quem ou o que eram as flores, a moldura exibindo um fundo vazio.

Pensando sozinho nas idas e vindas, não pude deixar de fazer o paralelo com nosso universo vazio e seu inevitável fim, a futilidade de todas as coisas, e estava preparado para escrever algo bem sombrio aqui.

Mas alguém colocou novas fotos no porta-retrato.
 
 

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Começando


Eu fiquei um bom tempo pensando sobre o que escrever nesse blog. Não nessa primeira postagem especificamente, mas no blog como um todo. Arrumei a conta no Blogger, acertei a página, briguei com a falta de nomes de domínio decentes disponíveis após vinte anos de existência do serviço. Isso ao longo de um mês ou mais, e em todo esse tempo pensando no que escrever. Deveria me ater a um tema ou assunto específicos? Às vezes me preocupo escrever algo que tenha uma função certa, num apego meio tolo a um utilitarianismo que talvez não caiba aqui. Penso então em escrever sobre ciência, mas a síndrome de impostor bate imediatamente. Ou escrever sobre política, mas me deparo com meu limitado entendimento por não ser da área e acho que não devo palpitar. Então volto à ideia original que me motivou a fazer um blog, de escrever contos e ficção, mas penso que ninguém vai querer ler isso, ao menos não de alguém que não sabe escrever. E pensando tanto nisso cheguei à solução ideal, que não envolve simplesmente não escrever em um blog público:

Foda-se.

Vou escrever sobre ciência porque sou cientista e às vezes tenho vontade de falar sobre isso.

Vou escrever sobre política porque me importo e me envolvo e quero falar a respeito.

Vou escrever contos e ficção porque gosto.

E vou escrever tudo aqui independente de leitores, porque no fim estou escrevendo mesmo é para mim. Para colocar tudo isso pra fora em algum lugar mais útil que folhas soltas numa gaveta.